segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Camilo Silva, o visionário cultural de Braga

Camilo, uma das figuras mais emblemáticas de Braga, revela a sua infância. Bon vivant desde criança é, actualmente animador cultural de profissão.

Camilo Silva nasceu, orgulhosamente, a 6 de Junho de 1947 em Braga. Filho de um guarda-livros e de uma modista, Silva nasceu em casa como os seus quatro irmãos. “E pelo o que diz a minha mãe, eu nasci de cu. Disse logo que eu ia ser artista”. Com a bênção da lua, mais tarde, Camilo correu Portugal por motivos principalmente lúdicos.

O próprio panorama político da altura, tal como Camilo justifica, foi o principal motor para o fortalecimento dos laços de solidariedade e amizade no grupo que integrava. “Desde pequeno habituei-me a viver situações que não eram minhas mas que eu tomava como minhas porque eram muito próximas”. Curioso, passava a maior parte das suas noites a ouvir histórias alheias acompanhadas de caldo verde e vinho tinto.

Na Escola Secundária Sá de Miranda, uma das escolas que pontificava o ensino na altura, estabeleceu os primeiros contactos com a política. “Até nisso o fascismo conseguia estabelecer as diferenças entre os filhos dos pobres ou remediados e os filhos dos ricos – os remediados iam para a escola e os ricos iam para o liceu.” O estudo de Filosofia, as músicas de Zeca Afonso e as acções de Manuel Alegre, rapidamente catapultaram no afastamento do fascismo Salazarista e da religião.

“O liceu de Braga tinha um privilégio: por decreto das repúblicas de Coimbra, os alunos dos anos complementares do liceu podiam usar capa e batina exactamente igual à de Coimbra”. A capa tinha uma dupla significação: protecção e maioridade. Dessa forma, Camilo teve a vida boémia muito mais facilitada. “Nós não pedíamos boleia a qualquer carro. Seleccionávamos”, relembra nostálgico.

Ainda sem carta de condução, Camilo Silva é actualmente actor e presidente das Produções Ilimitadas Fora d´Horas. Embora faça teatro por satisfação pessoal, não o concebe sem o público. Preza trabalhar com duas e três gerações diferentes. "Sinto-me tão vaidoso, é quase indescritível”, admite. “Declamo a maior baboseira com a mesma veemência com que diria um texto de Shakespeare”, completa com a pronúncia nortenha bem vincada. Não concebe a linguagem corporal mais importante que a textual e assegura que "a intenção é que conta no teatro”.

Não tem medo da morte, embora a dor assuste-o bastante. Não tem remorsos nem grandes traumas. Deseja apenas continuar a ser feliz.

“A minha pátria? A minha pátria é a Cividade!”

Prestes a embarcar para França para fugir ao salazarismo, Camilo Silva é obrigado a ir para Angola na qualidade de enfermeiro. De regresso a Portugal, o actor ajuda na concretização do 25 de Abril.

Camilo Silva foi interrogado duas vezes pela PIDE – em 1965 e 1969 respectivamente. Na segunda vez, foi-lhe comunicado que tinha que ir para Angola exercer as funções de enfermeiro. A notícia destrói-lhe os planos de fuga para França. “Mas como ia para enfermeiro pensei duas vezes: Não, eu não vou matar ninguém”.

Da experiência de guerra sublinha a solidariedade, a tensão diária e a sua própria descoberta. As drogas leves e a música funcionaram como fuga mental ao horror que presenciava. “Sabia que se não perdesse esse tempo comigo ia ser um frustrado para toda a vida. (...) Vi que era tão pequenino como um grão de areia, que era grande como um grão de areia”, revive. No entanto, sempre questionou a sua ligação com a guerra. “Mas afinal o que é que eu estou aqui a fazer? Estou a defender o quê? A minha pátria? A minha pátria é a Cividade! É a Sé, é Braga, é Portugal. Agora Angola?! Bah!”

Em Portugal participa na crise académica de 1969 em Coimbra, como representante da academia bracarense. Destaca a ajuda das notícias relativas à capital, que lhe chegavam através de jornais clandestinos. “Ele [José Manuel Barbosa] trazia o Avante e metia-o por detrás do autoclismo do Astória”, relembra entusiasmado.

Os anos que se seguiram foram marcados pela diversão. “Durante 4 anos era o dolce fare niente. As cartas é que me davam o sustento”, adianta o actor.

Actualmente, com 62 anos, Camilo Silva não deixa de viver entusiasticamente. Vive da cultura, do teatro profissional e dos amigos. Politicamente activo, sonha continuar a mudar o pensamento retrógada que, garante, “anda por aí”.


Excerto de uma entrevista a Camilo Silva sobre a História de Braga: